A DIFICIL ESCOLHA ENTRE DOIS AMORES

AMOR EM DOSE DUPLA
Desde que nascemos, muitas coisas nos são ensinadas como verdades absolutas. Todos os meios de comunicação participam ativament - televisão, cinema, teatro, literatura, rádio -, sem contar a família, a religião, a escola, os vizinhos. O condicionamento cultural é tão forte que chegamos a idade adulta sem saber o que realmente desejamos ou o que aprendemos a desejar. Isso ocorre em todas as áreas, portanto, também no que diz respeito ao amor. Fomos estimulados a investir nossa energia amorosa/sexual somente em uma pessoa e a acreditar não ser possível ter mais de um amor de cada vez.

O professor de ciências sociais Elías Schweber, da Universidade Nacional Autônoma do México, discorda que a exclusividade seja natural. “Na infidelidade influem fatores psicológicos, culturais e genéticos que nos levam a afastar a ideia romântica da exclusividade sexual. Não existe nenhum tipo de evidência biológica ou antropológica na qual a monogamia é ‘natural’ ou ‘normal’ no comportamento dos seres humanos. Ao contrário, existe evidência suficiente na qual se demonstra que as pessoas tendem a ter múltiplos parceiros.”

Contudo, é muito difícil encontrar alguém que admita que o amor possa ser vivido fora de uma relação fechada entre duas pessoas. Quando isso ocorre, é comum as pessoas desqualificarem o que o outro sente. Dizem que o amor que está começando não é amor, é só desejo sexual ou, então, que o amor que havia não era amor de verdade, que o parceiro não supria as necessidades e assim por diante.

Para quem está vivendo essa situação, surgem muitas dúvidas a respeito dos próprios sentimentos, na mesma medida em que o sofrimento é grande para quem descobre que o parceiro (a) está amando alguém mais. Ao fazer com que todos acreditem ser impossível amar duas pessoas ao mesmo tempo, o nosso modelo de amor torna inquestionável a conclusão: “se amo uma pessoa, não posso amar outra” e “se ele ama outra pessoa é porque não me ama”.
A questão é que fugir dos modelos impostos gera ansiedade, o desconhecido apavora. Então, surge aquela desculpa esfarrapada: “É possível amar duas pessoas, mas não do mesmo jeito.” Acredito que podemos amar várias pessoas ao mesmo tempo. Não só filhos, irmãos e amigos, mas também aqueles com quem mantemos relacionamentos afetivo-sexuais. E esse amor pode ser com a mesma intensidade, do mesmo jeito ou diferente. Aquilo que buscamos, que nos atrai, pode estar em muitas pessoas. E cada uma delas será objeto do nosso amor. Acontece o tempo todo, mas ninguém gosta de admitir. Assim, nos cobramos a rapidamente fazer uma opção, descartar uma pessoa em benefício da outra, embora essa atitude costume vir acompanhada de muitos conflitos.
A psicóloga Noely Montes Moraes afirma “Buscar comodidade e segurança na vida amorosa como valor absoluto implica colocar-se à margem da vida, protegido por uma couraça. O resultado é a estagnação do fluxo vital e um empobrecimento de vivências. A pessoa assim defendida se torna superficial e um tanto pueril, quando não se torna também invejosa das pessoas que ousam dizer sim à vida, atacando-as com um moralismo rançoso.”

Mas, afinal, por que se tem tanto medo de amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo? O psicoterapeuta e escritor José Ângelo Gaiarsa afirma que “somos por tradição sagrada tão miseráveis de sentimentos amorosos que, havendo um, já nos sentimos mais do que milionários e renunciamos com demasiada facilidade a qualquer outro prêmio lotérico do amor”.

Pode até ser que na fase da paixão, quando se está encantado pelo outro, não caiba mais ninguém. Mas essa fase dura pouco. Com uma convivência mais prolongada, a paixão acaba e fica o amor, se houver. De qualquer modo, não parece uma limitação afetiva amar só uma pessoa? E essa limitação se desenvolveu a partir da crença de que somente através da relação amorosa estável com uma única pessoa é que vamos nos sentir completos e livres da sensação de desamparo. Não é à toa que exigimos que o outro seja tudo para nós e nos esforçamos para ser tudo para ele. Mesmo à custa do empobrecimento da nossa própria vida.
Mas para começar a pensar diferente da maioria é necessário ter boa dose de coragem e vontade de viver intensamente.