o perfil de homens que perseguem as mulheres após o término da relação;
Letícia chegou bastante tensa à sessão de terapia. “Estou à beira do desespero. Há três meses, desde que terminei minha relação com Mário, não tenho sossego. No início, pensei que fôssemos ficar amigos, afinal, foram quatro anos de vida em comum. Mas não tem jeito, ele não se conforma com a separação. Ontem, quando cheguei do trabalho, mais uma vez levei um susto tão grande que meu coração parecia que ia sair pela boca. Eu estava abrindo o portão do meu prédio, quando ele pulou na minha frente. Tinha ficado me esperando escondido atrás das árvores. Isso sem falar nos inúmeros recados que deixa no meu celular e os bilhetes na caixa de correio do prédio. No trabalho, quando saio para almoçar, já vou com medo. Já o vi algumas vezes à espreita. A sensação é que estou sendo perseguida 24 horas por dia. Tenho pesadelos com ele entrando no meu quarto e me enforcando. A minha vontade é de desaparecer. Socorro!”
Este é um caso de stalking. Originário do verbo inglês "to stalk", cujo significado literal é "atacar à espreita”, como se faz com a caça. Mário é um stalker. E estima-se que, como Letícia, 20% da população, em algum momento da vida, já tenha sido molestada por um stalker.
Stalking é um comportamento assustador, que desde 1990 é considerado crime nos Estados Unidos. Para o psicólogo americano David Buss, o stalking aprisiona as vítimas tanto física quanto psicologicamente. Elas relatam restringir suas atividades, tornarem-se temerosas de se aventurar fora do território familiar e sentirem-se amedrontadas em locais muito freqüentados. Sentem-se ansiosas ao atender a porta, abrir a correspondência ou atender ao telefone. O medo se origina de importunações infligidas por tais perseguidores, inclusive telefonar repetidamente para as vítimas em casa e no trabalho, tocar a campainha, inundar as vítimas de cartas e flores, pular inesperadamente das moitas, bombardeá-las com insultos e súplicas verbais, e em geral segui-las por toda a parte.
Muitos perseguidores espreitam suas vítimas (75%), fazem ameaças explícitas (45%), vandalizam bens (30%), e às vezes ameaçam matá-las ou a seus animais de estimação (10%). Embora as mulheres sejam vítimas em muito maior número, homens também podem ser perseguidos. Quem não se lembra do filme Atração Fatal com Michael Douglas e Glenn Close? Em alguns casos os stalkers se tornam especialmente violentos quando a vítima passa a ter uma nova relação amorosa.
Para tentar explicar esses atos bizarros e criminosos, Buss diz que “embora alguns sejam claramente patológicos, sua frequência e padrão revelam serem geralmente manifestações extremas do ciúme e da possessividade dos homens - medidas desesperadas destinadas a obter o retorno de alguém à relação ou para restaurar um amor que foi perdido”.
O sofrimento das vítimas é intenso. Após uma experiência como essa, geralmente apresentam quadros de depressão ou estresse pós-traumático, o que repercute em suas vidas social e profissional. Um terço delas necessita tratamento psicológico. Num estudo de 628 mulheres vítimas de perseguidores, 87% tinham menos de 40 anos, com a média em torno de 28 anos.
Buss considera que a primeira pista vem da relação entre perseguidores e suas vítimas. Os perseguidores são de vários tipos. Alguns perseguem celebridades, como no caso de John Hinckley com a atriz Jodie Foster, ou o caso bizarro da mulher que continuou irrompendo na casa do entrevistador de televisão David Letterman, insistindo que era sua esposa. Alguns perseguem completos estranhos ou conhecidos casuais.
Mas a grande maioria dos stalkers já esteve envolvida romanticamente com suas vítimas – como um atual cônjuge, um ex-cônjuge, um amante anterior ou um namorado do passado. Em 60% dos casos, o stalking por parte de um parceiro íntimo começou antes de a relação terminar oficialmente. Isso sugere que representa uma tática frenética destinada a manter um parceiro ou a coagir o parceiro a voltar.
J. Reid Meloy, psicólogo especializado em medicina legal, e professor de psiquiatria da Universidade da Califórnia (San Diego), é autor do livro "The Psychology of Stalking, Clinical and Forensic Perspectives". Ele conta que há muitos anos dirigia um hospital psiquiátrico dentro de uma prisão de segurança máxima, e naquela época tentava entender a razão por que uma pessoa insistia em perseguir outra, mesmo sabendo que esta não o desejava por perto.
Meloy passou, na década de 1980, a coletar dados sobre o assunto. Depois de algum tempo concluiu que o stalking poderia ser definido como "um comportamento anômalo e extravagante, causado por vários distúrbios psicológicos (narcisismo patológico, pensamentos obsessivos etc), nutridos por mecanismos inconscientes como raiva, agressividade, solidão e inaptidão social, podendo ser classificado como patologia do apego".
Contudo, as causas desse desejo de perseguir ainda não estão totalmente esclarecidas, mas existem estudos apontando para a incapacidade de lidar com as perdas da infância e da idade adulta. “O que se sabe é que movido pelo desejo de proximidade, um stalker desenvolve uma habilidade incomparável para elaborar estratégias repetidas e indesejáveis só para manter contato.”, diz Meloy