MASTUBAÇÃO FEMININA AINDA É TABU

Apesar da revolução sexual e da evolução social feminina, elas ainda estão presas aos mitos que envolvem o prazer solitário

Segundo dados do Kinsey Institute, entidade ligada ao trabalho do revolucionário pesquisador norte-americano Alfred Kinsey, 11% das mulheres afirmaram nunca ter se masturbado – contra um percentual de 5% verificado entre os homens. Portanto, apesar de muitas delas já terem quebrado o tabu da masturbação, ele ainda existe. E já está mais do que na hora de ser superado.



A masturbação feminina, segundo a Dra. Glene Rodrigues, médica ginecologista e terapeuta sexual, é um tabu que está diretamente ligado às dificuldades na educação familiar e na escola. Ela conta que, para as meninas, é normal e espontâneo o descobrimento do prazer através da manipulação do próprio corpo a partir dos quatro anos. Nos meninos, um pouco antes disso (por volta dos três).

Essa época é uma simples descoberta de prazer. A ligação desse prazer com a sexualidade só aparece a partir da adolescência. Quando a menina está descobrindo esse prazer, a mãe, ou alguém da família, costuma aparecer com algum posicionamento negativo ou punitivo, que acaba acompanhando a menina pela vida toda. Nessas horas, a melhor coisa é explicar que o toque é bom, que é gostoso e natural, mas que deve ser feito com privacidade por ser algo especial, e que a criança não deve nunca permitir que alguém a toque – isso previne a culpa e os abusos.

A doutora Glene explica que a Igreja teve uma boa participação na construção desse tabu. Quando, na Europa, os banhos diários foram desaconselhados por ocasionarem a “doença do banho”, a preocupação na verdade era com a nudez e com o toque no próprio corpo. Como a religiosidade, seja ela qual for, está muito presente nas famílias, elas trataram de manter essa ideia de que o toque no próprio corpo é algo ruim e que depõe contra a mulher.

Revolução sexual?
Há aproximadamente quarenta anos, com a revolução sexual e o aparecimento do movimento feminista, a expressão da sexualidade feminina ganhou mais espaço na mídia e nas produções cientificas que começaram a contestar a moral e as proibições em relação ao sexo.

A Dra. Giovanna Lucchesi, psicóloga especialista em sexualidade, diz: “hoje percebemos dois discursos referentes à educação sexual feminina: um deles é a mulher que compreende sua própria sexualidade repleta de restrições, mitos e tabus. Outro é a expectativa de uma mulher hiper-sexualizada, sendo que a masturbação nos remete ao segundo modelo em que a manifestação da sexualidade feminina é constantemente compreendida como ‘vulgar’ e ‘inadequada’”.

No entanto, mesmo com os avanços do feminismo, ainda restam preconceitos entre as próprias mulheres. “A masturbação feminina é um tabu, muitas vezes vista como desnecessária pelas mulheres, principalmente quando há parceria sexual e afetiva. Como se a masturbação fosse um ato de mulheres que não têm parceiros ou que a automanipulação fosse um comportamento inadequado”, comenta.

Glene atende mulheres de todas as idades em seu consultório e conta que só após os 30 ou 40 anos elas se sentem livres para descobrir o próprio corpo e o prazer que ele pode trazer.

Homens x mulheres
A questão é que há muitas diferenças entre os homens e as mulheres, que acompanham o fato de eles se masturbarem mais ou menos. Segundo a ginecologista e terapeuta sexual, as mulheres não se focam no sexo; elas pensam em outras coisas, mesmo quando estão se masturbando, o que dificulta bastante as coisas. “O pensamento tem que estar conectado. O primeiro órgão de prazer da mulher é o cérebro”, define. Já os homens não pensam em outra coisa na hora do sexo, não se dispersam.

Ela diz que é da natureza da mulher querer afeto. Mesmo aquelas que têm poucos problemas morais em admitir que se masturbam acham que o orgasmo não é o suficiente. O amor e o sexo, para as mulheres, andam juntos. “Mesmo que a mulher tenha conquistado a liberdade de decidir se vai engravidar, a dificuldade emocional que ela tem em relação ao sexo sem amor é enorme. Não dá pra querer competir com os homens nesse quesito. É do feminino querer cumplicidade”, afirma.

Cada mulher funciona de uma maneira diferente, e é importante que ela se conheça, se descubra e se toque sem culpa. “Uma paciente minha não conseguia se tocar com os dedos, a sensação do próprio dedo em sua vagina a bloqueava totalmente. Um dia ela descobriu que podia se masturbar usando a enceradeira! Rimos muito no consultório imaginando como as vendas de enceradeiras aumentariam se as outras mulheres descobrissem isso”, diverte-se Glene.

Essa redescoberta do prazer que a mulher faz é particular e única. Cada uma tem sua história, sua vontade, seu momento. Há quem goste de usar o chuveirinho, um travesseiro ou o próprio dedo. A ginecologista lembra que o uso de gel lubrificante também ajuda muito.

O Relatório Kinsey
Um zoólogo (isso mesmo, o cara era zoólogo!) americano chamado Alfred C. Kinsey foi um dos pioneiros a fazer do sexo um estudo científico. Era o ano de 1938 e o assunto era totalmente proibido. Seu primeiro relatório, chamado “Comportamento sexual da mulher”, publicado no começo da década de 1950, continua incrivelmente atual.

Embora alguns pesquisadores brasileiros prefiram as pesquisas de campo feitas em território nacional, Kinsey pregou contra os mitos sobre o prazer da mulher e ajudou a abrir caminho para Shere Hite, que veio com seu relatório bombástico na década de 1970.

Ele defendeu a contracepção, provou que a masturbação é uma descoberta normal do ser humano e não provoca cegueira nem pelos nas mãos – mitos que, acredite se quiser, a gente continua ouvindo até hoje. Segundo pesquisa realizada em 2002 e publicada no site do Kinsey Institute, existem vários indicativos sobre a prática da masturbação feminina:

- Um estudo feito com estudantes universitários apontou que 98% dos homens afirmam já terem se masturbado, contra apenas 44% de mulheres que admitiram ter praticado o sexo solitário pelo menos uma vez.

- Os homens afirmam masturbar-se cerca de 12 vezes por mês, enquanto as mulheres dizem fazê-lo cerca de 4 vezes por mês.

- Quando têm um parceiro sexual fixo, que more com eles, 85% dos homens afirmam manter o hábito da masturbação, contra 45% das mulheres que declararam a mesma coisa.